5/16/06

O reveillon na ilha.


Era final de ano, ela queria muito passar o reveillon em Algodoal, uma ilha distante três horas de Belém onde até então não havia energia elétrica e não podem atravessar carros, os únicos meios de transporte são as carroças puxadas pelos pobres burrinhos. A ilha havia se tornado point de todos os jovens descolados da cidade, o que não a agradava muito, mas de certa forma fazia o lugar ficar bem mais animado do que era antes, quando somente os aventureiros tinham coragem de passar um tempo por lá.
Ela convidou a amiga Camila, a mais sem frescura de todas as amigas que também adorava o lugar e toparia sem problemas se aventurar por lá sem nenhuma programação. E além de tudo era uma das figuras mais engraçadas que ela conhecia, a diversão estava garantida. Camila sempre repetia a frase “Ebaaaaa! Vamos nos abraçar!” quando estava feliz.

“- Amiga, bora pra Algodoal? A gente vai na doida, com certeza consegue pousada!!!! E se não conseguir a gente dorme no chão... Um fim de semana... Alguém vai ter pena da gente, bora?!!!!!!
- Ai amiga, será? Eu sou muito medrosa... E se ninguém tiver pena da gente?
- A gente volta, ora!!! Mas vão ter, a gente tem cara de boa de coração, boraaaaaaa!!!!!
- Então tá!!! Eba!!! Vamos pra Algodoal aventurar e vamos nos abraçar !!!!!!!”


A jornada até a ilha começa na rodoviária da cidade de onde saem vans e ônibus. Três horas até Marapanim, município onde fica um pequeno porto de onde partimos de barco (os chamados popopô, barquinhos feitos de madeira cujo barulho do motor lhes valeu a denominação), quarenta minutos em média até uma ponta da ilha, distante uns vinte minutos de caminhada da vila onde ficam todas as pousadas e campings.
Acordaram cedo, colocaram as mochilas nas costas e foram para a rodoviária. Quatro horas depois lá estavam elas, na ponta da linda praia com suas pesadas mochilas nas costas e debaixo de um sol de meio dia. E lá foram elas, andando até a vila em busca de uma pousada pra guardar as coisas, descansar e depois correr para a praia (que também fica a uns vinte minutos de caminhada da vila, fora uma necessária travessia de canoa quando a maré está cheia).

“- Moço, tem vaga?
- Não. Desde outubro tudo reservado.
- Nadinha, moço? Nem pra acampar?
- Não.
- Poxa... Mas nem um pedacinho?
- Tem aquele ali perto do poço. Vocês têm barraca?
- Ihhhhhhh...não.
- Tá bom, obrigada.”


Alguns muitos quilômetros de caminhada depois:

“- Oi. Boa tarde, tem vaga?
- Não, tudo reservado.
- Nem quarto coletivo?
- Hum... Tem uns quartos ali mas estão sem acabamento... Nada muito confortável.
- Ah, moça! Quem vem pra Algodoal não quer conforto... Onde é?
- Cleivirsoooooooooooonnnn!!! Mostra lá os quartinhos da rua de baixo.”


Camila lembra: “Esperamos o garoto sair e fomos atrás, a mochila pesadíssima e o calor cada vez pior, niguém agüentava mais andar. Olho pra trás. Cadê a amiga? Olho pra frente, mas muuuuuuito pra frente e lá está ela, atrás do garoto errado. Começo a gritar: - Amigaaaaaaaa!!!! Voltaaaaaaaaaa!!!! Não é esse o menino!!! E lá vem a bichinha, suadíssima, correndo no sol.”

Chegaram aos quartos. Pela primeira olhada por fora, bem simples. Olharam por dentro, só as paredes. Abriram a torneira, a única pra todos os seis quartos, nada de água.

“- Ei! Não tem poço?
- Não. Se vocês quiserem podem tomar banho no banheiro de láááá.
- Lá, três ruas pra cima.
- Caramba, muito longe e uso lente, vou ficar cega se não tirar pra dormir.
- É, bora ver se a gente consegue outro. Obrigada Cleivirson.”


Mais algumas negativas depois.

“- Oi, o senhor tem água pra beber?
- Tenho sim, minha filha.
- E quarto, o senhor tem?
- Tenho, mas todos reservados, Deixa mostrar pra vocês. Todos têm cama de casal, ventilador e banheiro.
- Que pena, mas nem rede tem?
- Tem, mas é 50 reais por dia, com a rede.
- Muito caro moço, poxa...
- Olha. Mas tenho uma casinha simples no terreno aqui ao lado, dá pra fazer mais barato e vocês podem tomar banho aqui. Vamos lá.
- Tá bom.
- Moço, mas não tem porta? Nem janela?
- Mas tem essas tábuas aqui, dá pra colocar...
- E onde vamos dormir?
- Tenho uma esteira de palha.
- E nossas coisas?
- Eu posso guardar lá na pousada por um adicional...
- Temos pouca grana, eu sou muito medrosa e sem parede não dá, podem roubar nossa pureza. Obrigada, moço.”


Super vermelhas, muitas pousadas depois e com pouquíssimas forças:

“- Moça, tem vaga?
- No tengo (sim, ela era argentina e falava muito enrolado, então vamos traduzir)
- Han?
- Não tenho. Tudo Lotado.
- Nem rede?
- No. Mas tenho barraca. Vocês podem tomar banho aqui e guardo as coisas.
- Quanto é?
- Setenta e cinco reais cada, até domingo.
- Legal. Fechado.
- Eba!!!!! Conseguimos, tá vendo amiga, agora é só curtir!!!”


Um funcionário da argentina montou a barraca. Primeira experiência da Camila com barracas. Ela, mais experiente, disse que tinha que ser na sombra por causa do calor do dia. Perfeito. Árvore enorme. Tudo dando certo. Banheiro pertinho todo feito de pedra e sem teto, o banheiro que ela sempre sonhou para sua casa. Tinha água e paredes. E ainda arrumaram um colchonete. Absolutamente sensacional àquela altura do dia. Era quinta-feira, dia 31 de dezembro.

“ - Amiga, temos que economizar. Não esquece, tá? Então vamos beber Cantina da Serra no reveillon e comer tapioca.
- Fechado, pelo menos assim a gente emagrece.”

Ela adorava caipirinha e coca-cola, mas não dava pra tomar caipirinha com gelo sujo e coca-cola quente. Cantina da Serra era a bebida oficial dos freqüentadores da ilha. Vinho barato e ruim, mas doce, que descia feito suco de uva e evaporava como água pelo sol e calor do lugar.
Instalaram-se. Colocaram os biquínis e seguiram para a praia, no caminho pararam para comer tapioca. Chegando na praia encontraram Floriano, grande amigo de ambas, que cantava e tocava em uma banda. Camila, alta que só ela, começa a pular e dizer:- “Ebaaaaaa! Vamos nos abraçar!”. Encontraram muitos outros amigos, abraçaram todos eles e tomaram algumas cervejas quentes, claro que não pagas por elas.
Muitos amigos, abraços, mergulhos e cervejas quentes depois, resolveram voltar para a pousada, tomar um banho e ir até o bar onde Floriano iria cantar com sua banda.

“- Amiga, tô meio tonta... Cadê a barraca?
- Tá aqui, amiga. Bora descansar, depois a gente toma banho e vai encontrar com o pessoal.
- Tá bom... amiga, não consigo deitar, sou muito grande!! Vou ter q dormir que nem um “S”.
- Deita logo.
- Tá escuro, acho que vou ter medo de dormir aqui.
- Que nada, amiga. A pousada tá lotada, qualquer coisa vão escutar a gente.
- Tá bem.

...
- Droga! Tá tarde, já. Bora tomar banho.
- Ai, tô tonta mesmo.
- Ei, vê aqui se minha maquiagem tá certa...
- Hahahahhahahahahahahaha... Estás que nem o bozo!”


Saíram. Noite de reveillon, tudo lotado. Primeira parada, o mercadinho que vendia o garrafão de Cantina por cinco reais, Camila pula de alegria. Sentaram nas mesinhas em frente ao chalé mais caro da ilha, não estavam hospedadas lá, mas não custava sonhar um pouquinho.
No meio de um bolo de pessoas vestidas de branco ela encontrou seu ficante, a quem a Camila chamava de pequenino. Ele estava com um grupo de amigos que ela também conhecia. E deu meia noite, todos se abraçando, Camila principalmente, música da banda do Floriano e alguns garrafões de cantina alimentavam a felicidade de uma enorme turma de amigos reunidos.
Camila encontra um outro grupo, que ela não conhecia. Elas se separaram. Ela foi pra um luau na praia com o pequenino e sua turma, enquanto Camila era abordada.

“- Feliz Ano Novo!!!
- Obrigada.
- Você quer champagne?
- Não baby... Só tomo Cantina.
- Ah...tá.”


Camila se divertiu, pulou, dançou e abraçou. Até que resolveu ir para a pousada, dormir feito um “S” dentro da barraca.
Ela passou o melhor reveillon de sua vida. Luau na praia, milhões de amigos, reggae, pequenino, ondas molhando as havaianas nos pés, bunda suja de areia, tudo perfeito. Pena que a Camila já tinho ido dormir.
Sete da manhã, quando ela voltou para a pousada, encontrou Camila dormindo em uma das cadeiras do refeitório.

“- Amiga, acorda. Por que não foste pra barraca?
- Porque tive medo.
- Só tu mesmo, amiga. Bora dormir.
- E o pequenino? Foi legal?
- Ah amiga, ele é uma grande pessoa. Tenho que tomar banho, tô com areia até na córnea.
- Ai, amiga só tu mesmo.”


As malas ficavam trancadas dentro da pousada durante a noite, elas só tinham acesso a área de fora, onde ficava a barraca. Ela tomou banho e não tinha roupa para trocar.
Camila lembra com horror: “Solução: dormir pelada. Nunca imaginei ter que dormir com uma pelada. Que tristeza pra minha mãe...”

No outro dia, mais praia, mais amigos, mais abraços e mais cerveja quente. Camila encontra um amigo:

“- Amiga, vem conhecer meu amigo.
- Prazer, Gleidson. Estudei com a Camila... Sempre achei os cílios dela bonitos.
- É, tem alguém que curte meu cílios, ainda há esperança... Heheheheehehehehe.
- Vocês já vão?
- Estamos criando coragem pra andar
- Ah tá.
- Vamos, amiga. Até mais tarde, Gleidson.


Algodoal é um lugar pra quem tem muita disposição. Elas se divertiam muito, mas sabiam que só poderiam ir pra lá se estivesse realmente dispostas a andar muito e comer e dormir pouco. A volta da praia era sempre massacrante, a pele já estava ardida de tanto sol e o corpo cansado de um dia inteiro de banhos de mar, amigos, danças e abraços. Elas andavam em marcha lenta, contemplando o mar no final da tarde. Havia quem voltasse da praia nas carroças dos burricos, mas elas não tinham dinheiro para gastar com aquilo, voltariam andando mesmo. Até serem abordadas pelo dono de uma carroça:

“- Subam aí.
- Não moço, obrigada, mas a gente tá meio sem grana.
- Não, eu disse que é pra subir, já pagaram o transporte.
- Quem?
- Um moço lá atrás... E pagou bem pra deixar você na ponta da ilha.
- Então tá.


Subiram na carroça. O jegue disparou.

- Vai “Xumaki”, corre!!
- Moço, aqui tá bom!
- Não, o rapaz disse pra deixar lá na ponta.
- Mas a gente tá hospedada aqui!!!
- Mas ele me pagou pra levar até lá.
- É muito longe moço, a gente vai ter que voltar andando depois!
- Olha o Gleidson ali na outra carroça acenando!
- Foi ele que me pagou.
- Pára a charrete!!! A gente quer descer!!
- Deixa elas aqui mesmo.
- Mas o senhor me pagou pra levar até lá.
- Ai meu deus, era aonde elas queriam
- Amiga, tá muito longe... Não consigo parar de rir
- Desce, bora andando.
- Tchau Gleidson. Tchau “Xumaqui”!

Banho tomado, Cantina nova, banda do Floriano, tapioca. Elas não poderiam dormir muito tarde, voltariam cedo pra casa no outro dia, a diária ia acabar e elas não teriam como pagar mais uma.

“- Boa noite, amiga.
- Boa noite.
- Amiga... Não consigo dormir... Tô ouvindo passos.
- É claro né, Camila? As pessoas precisam ir ao banheiro.
- Ai, tá bom.
- Amiga, tem alguém aí fora, tô olhando há um tempão... Tô vendo uma sombra estranha... Um homem... Com um formato estranho... Acho que ele tá de pau duro!
- Tu estás doida? Como assim?
- Olha ali!!
- Há quanto tempo ele tá aí?
- Um tempão!
- Amiga, isso é a sombra de uma árvore, até porque se fosse um homem nem com viagra ele ia conseguir ficar tanto tempo assim!
- Poxa, tava até feliz já.
- Dorme logo, sua doida.”


Camila era extremamente medrosa, não dormiu a noite inteira escutando barulhos estranhos e vendo sombras indecentes. Acordava ela de cinco em cinco minutos com um medo novo. Ela era pequenina, cabia direitinho dentro da barraca e ainda sobrava, enquanto Camila fazia contorcionismos para poder entrar, sair e dormir. Na manhã do outro dia ela acordou, depois de uma noite boa, só atrapalhada pelos constantes surtos de Camila, que já estava sentada dentro da barraca, assustada.

“- Ai, amiga... Ainda bem que acordaste.
- Bom dia!
- Tem uma faca enterrada aqui no chão, perto da barraca!
- Meu Deus! É mesmo? Deve ser do pintudo.
- Tá vendo. Te falei.
- Bora logo embora.
- Só se for agora.”

E lá se foram elas, depois de um final de ano espetacular, digno de um registro como este, regado a Cantina da Serra e tapioquinha que elas lembram com água na boca até hoje. Tudo surreal, mas absurdamente divertido. Camila sempre diz “Valeu a pena ... Algodoal é zen... Niguém é de ninguém...”.
(Colaboração e diálogos: Camila Camacho)

5 comments:

Anonymous said...

Eheheheheheheeheh...tão legal!!!Adoro!!Vamos nos abraçar, Ê,Ê,Ê!!!!Bjs :p

Anonymous said...

rolando de rir, muito bom. Bjim.

Maíra said...

Cara, eu ja ouvi tanto essa história que já até achava que eu tava lá, heheheheh
Tem coisas que só a Camila mesmo...

Anonymous said...

hehehe!!!!
só tenho uma coisa a dizer, Eba!!!Vamos nos abraçar!!!

Anonymous said...

massa tou me pipocando de rir
fui
muito hilario